Seu Mané: Sucesso e fracasso no coração da Amazônia.

Quem foi garimpeiro em 1985 a 1990, deve se lembrar de José Candido Araújo, O Zé Arara. Dono do Garimpo Patrocínio e o maior comprador de ouro naquele tempo. Depois de pesquisar muito na internet para buscar informações deste homem, resolvi publicar a pouca informação que existe dele. Tornou-se uma verdadeira lenda entre os garimpeiros no alto Tapajós, não pela sua condição financeira, mas pela sua honestidade e respeito pela vida.

 Na entrevista abaixo segue o depoimento daquele que depois de Zé Arara foi o segundo maior comprador de ouro do Alto Tapajós, o Seu Mané.

 Seu Mané: Sucesso e fracasso no coração da Amazônia.

 Era começo da década de 70. O Brasil ainda comemorava o tri-campeonato mundial conquistado pela seleção e Mané Garrincha dava seus dribles últimos estonteantes nos gramados brasileiros. Na Amazônia, o governo militar rasgava a floresta abrindo uma estrada para levar homens para este pedaço esquecido do país. A nova fronteira atraiu a atenção de milhares de pessoas, personagens anônimos de uma história escrita a suor, sangue e abandono. Entre estes personagens está o não tão anônimo Aldo Inácio, paulista nascido em 1949 que foi atraído na década de 70 pelo chamado do governo para ocupar a Amazônia. Em 1979, Inácio chegou à cidade de Itaituba, na Transamazônica, com um punhado de roupas, um mega fone e muitos sonhos na bagagem. Fã de Mané Garrincha, Inácio transformou o nome Mane em uma marca e passou a ser chamado, ele mesmo, de Seu Mane. Hoje, aos 57 anos, ele fala sobre o passado como um filme que conta a história de sucesso e fracasso no coração da Amazônia. No dia 23 de março, Seu Mane contou trechos desta história ao radialista Douglas Araújo, em Novo Progresso, onde ele administra uma modesta rodoviária, depois de ser dono de um império. Leia a entrevista?

 Douglas Araújo – Como foi o seu primeiro dia em Itaituba? 

 Seu Mané – Meu primeiro dia em Itaituba foi dormindo na calçada da (agência da) Transbraziliana, porque eu não tinha dinheiro para pagar um hotel. Então, eu e a minha família dormimos na calçada. Depois disso, no dia seguinte, eu tinha um mega fone e fui pára a frente de algumas lojas gritar e ganhar o pão nosso de cada dia. Depois eu montei um restaurantezinho com o nome “Mãe Maria, a clientela foi aumentando e passei para um espaço maior, em frente ao Sonda Bar. Em homenagem ao grande jogador Garrincha, eu coloquei o nome do restaurante de “Seu Mane”, ai este nome cresceu, as coisas foram dando certo. Eu fui o primeiro anunciante da Hora Certa e de outras programações da Rádio Nacional, de Brasília. A partir daí foi divulgado muito o nome “Seu Mane” e ai coisas vieram surgindo naturalmente. Ao longo de seis anos eu já tinha um patrimônio invejável. Mas depois de dois anos veio o Plano Collor, incêndios, queda de avião e assaltos – fui assaltado três vezes. Alguns funcionários me deram o cano, um deles com até 20 quilos de ouro. Em dois anos eu perdi 600 quilos de ouro. Eu nunca fui vaidoso, só queria que o nome ‘Seu Mané’ fosse uma marca registrada, mas jamais esperei que acontecesse tanto acidente em tão pouco tempo. Diante de tantas perdas materiais teve uma em especial, a minha esposa Dade, que para mim foi uma das maiores perdas. As coisas já vinham se afundando e quando uma engrenagem dá para trás, você trava. Eu nunca fui um homem de vícios, bebidas, drogas ou farra. Nunca sentei à mesa de um bar. Eu nunca fui um homem de praticar roubos, sempre paguei em dia os meus fornecedores. Da mesma maneira que Deus me mostrou o sucesso, ele me mostrou o insucesso. Deus me mostrou os dois lados da vida.

 Douglas Araújo – Como está a sua vida hoje? 

 Seu Mané – A gente nunca está feliz. O ser humano nunca consegue uma felicidade total, sempre tem algo a desejar, mas posso dizer que estou muito bem, não tanto financeiramente quanto no passado, mas posso afirmar que estou bem junto com meus filhos, netos, noras. Administrando a rodoviária de Novo Progresso, hoje já tenho restaurante e lanchonete, ainda tenho muita esperança na região, acredito muito na vinda deste asfalto (da rodovia BR-163). Com relação ao meu passado nem precisa tocar muito, a História conta a minha vida. Eu fui um homem que gostava muito de mídia, fiz o programa do Jô Soares na Rede Globo em 1991. A BBC de Londres esteve uma semana em minha casa para um curta metragem. Fiz o Globo Repórter em 1988 e o Fantástico. Fui entrevistado pela Rádio Capital de São Paulo. Faculdades se interessavam pelo meu caso. Estive em várias outras emissoras e acho que a mídia hora ajuda, hora atrapalha. Fui fundador do Chapéu do Povo em Itaituba, das Rádio Itaituba e Clube, da TV Itaituba, na época afiliada a Rede Globo, e também a TVS, hoje o SBT. Foram dois canais de televisão. Fundei o Foto Itaituba, que dei de presente para os cincos funcionários. Tudo com laboratórios fotográficos modernos para a época, uma loja montada, mas infelizmente na hora que eu mais precisei fui sacrificado, marginalizado, ignorado.

 Douglas Araújo O que é felicidade para o senhor. Dinheiro? 

 Seu Mané – Felicidade, na minha opinião, é estar de bem com Deus, bem com a sua família. Felicidade, felicidade, você nunca pode ter por completo, mas pode viver momentos felizes. Tenho 33 filhos e 22 netos e sou feliz com isso.

 Douglas Araújo – Quando o senhor era milionário, qual foi o maior erro que cometeu, que não faria novamente? 

 Seu Mané – Como radialista de minha própria emissora eu atingi várias pessoas. Agi muito errado. Hoje eu não faria mais isso. Muitas vezes você fala de determinada pessoa e você sente que está com o poder da mídia na mão e que pode tudo. Depois de tudo isso, eu paguei um preço muito alto. A ‘impressa marrom’ me machucou demais. A gente diz uma palavra, eles trocam vírgulas, então eu pequei muito neste ponto. Seu Mané (centro) com amigos na década de 80

 Douglas Araújo – E onde estão os seus amigos de tempos de milionário? 

 Seu Mané – Umas das pessoas que eu ajudei muito, na hora que eu mais precisei me mandou entregar um envelope com 300 trezentos reais. Eu não devolvi porque infelizmente eu estava precisando. Mas esta pessoa eu havia colocado, há muitos anos, dentro de um avião meu e mandei para Brasília, para se tratar. Ela e seu marido sempre foram funcionários muito bem remunerados, dentro de minhas empresas sempre tiveram uma credibilidade muito grande. Moraram durante 10 anos dentro de minha casa sem nunca pagar aluguel, e na hora que eu mais precisei eles viraram as costas, mas acredito na Justiça divina, que é muito grande.

 Douglas Araújo – Naquela época você tinha fortes aliados…

 Seu Mané – Eu devo muito ao seu José Candido Araújo (Zé Arara). Tenho muito respeito, como um dos homens mais dignos que já conheci. Com relação ao Zé do Abacaxi (Fazendeiro e dono de garimpo em Itaituba), nós não tivemos nenhum vínculo ou aproximação.

 Douglas Araújo – Os seus amigos poderosos te abandonaram? 

 Seu Mané- Não vou citar nome, mas um ex-prefeito de Altamira foi um dos homens que eu mais ajudei. Na hora que eu mais precisei ele me virou as costas, mas Deus sabe…

 Douglas Araújo – Como é uma pessoa que conheceu os dois lados da moeda? 

Seu Mané – Você acaba conhecendo os três lados da moeda. São situações completamente diferentes. Depois que eu quebrei fui vender banana na carriola, e ai um filme começa a passar na sua cabeça. As pessoas ainda te criticam, passam por você e sorriem. Houve um momento de profunda depressão, mas você tem que ser forte. Minha família foi meu principal apoio, em momento algum me deixou só. Eu sempre fui um vencedor, fracassados são aqueles que procuram defeitos em mim, fracassados são aqueles que não têm uma historia como a minha para contar. São aqueles que são desonestos. O homem que bater no peito e falar que é um herói por ser honesto está totalmente errado, porque ser honesto é obrigação de cada cidadão. Quando o telefone emudece, parece que todo mundo sabe que você é um fracassado. Eu tinha 13 telefones em minha mesa, de repente todos ficaram calados. Eu tinha 380 funcionários diretos em 19 empresas, tinha 11 aviões e 80 carros. Eu pagava todos meus funcionários diariamente.

 Douglas Araújo – E como é o fundo do poço? 

 Seu Mané – A lembrança que eu tive foi da pessoa que eu coloquei dentro de meu avião e mandei para Brasília durante quatro meses com tratamento médico por minha conta. Foi a mesma pessoa que me mandou um envelope com os trezentos reais. Eu sempre ajudei muitas pessoas, sempre tive o prazer de fazer uma pessoa sorrir. Ajudei muitos garimpeiros a voltarem para a sua terra. No momento mais difícil da minha vida uma pessoa que eu nunca tinha feito algo por ela, ficou sabendo que eu estava doente em um quartinho quatro por quatro e me tirou de lá e me mandou para um hospital particular, depois me deu um emprego e hoje sou o administrador do Terminal Rodoviário de Novo Progresso. Esta pessoa chama-se Nery dos Prazeres (ex-prefeito de Novo Progresso), hoje meu grande amigo.
Proxima
« Anterior
Anterior
Proxima »
Postar um comentário
Obrigado pelo seu comentário